Por Ana Cláudia Esquiávo
Teresa com a estátua de Clarice Lispector |
Clarice
Lispector retratava o sentimento humano como poucos autores faziam, tinha
sensibilidade para transformar em palavras as angustias e alegrias das
pessoas. Para conhecer mais sobre a escritora que ainda está presente na
memória de muitos leitores, entrevistamos a biógrafa e doutora em letras pela
PUC-RJ, Teresa Monteiro.
Clarice foi a primeira mulher a receber
uma estátua no Rio de Janeiro devido a iniciativa da doutora em letras, que
homenageou a sua memória. A autora pode ser “vista” no bairro do Leme com
o seu cachorro Ulisses através de uma escultura feita pelo artista Edgar
Duvivier, que custeou a escultura ao vender quarenta maquetes da obra para
admiradores da escritora.
Em entrevista, Teresa Monteiro comenta a
relação que Clarice Lispector tinha com os jovens e como ela influência os
leitores mais novos até os dias atuais.
Literaleitura: Clarice
disse em uma entrevista que não entendia a proximidade dos jovens com o texto
dela. A senhora acredita que ainda há essa proximidade com os jovens de
atualmente?
Teresa: Enquanto estava viva, Clarice declarou
em entrevistas que era comum as pessoas ligarem para a sua casa, inclusive os
jovens, que perguntavam: “Clarice onde encontro o seu livro?”. Ela ficava
espantada porque muitos críticos às vezes diziam que ela era uma escritora
hermética. Após a morte dela (Clarice Lispector), eu diria que pelo menos dos
anos noventa para os dias de hoje, o número de jovens que se aproximam da obra
de Clarice é muito numeroso. Acredito que esse público jovem tem levado
as obras dela adiante até porque existem muitas publicações, pois a obra de
Clarice não para de ser reeditada. O filho dela, o Paulo Gurgel Valente, sempre
propõe uma nova publicação. Eu Já organizei vários livros da Clarice a pedido
do Paulo.
L: O que você buscou quando
escreveu o livro “Eu sou uma pergunta - uma biografia de Clarice Lispector?
Teresa: Eu sou uma pergunta é uma frase que ela
mesma escreveu em uma crônica. Eu escolhi o titulo sendo eu sou uma pergunta –
uma biografia de Clarice Lispector no subtítulo para deixar claro como ela
mesma se via. Clarice estava sempre se perguntando, se indagando e questionando.
Ela não se contentava com a realidade como era. O título por ela mesma é uma
forma que eu acho ser melhor definição de Clarice.
L: Porque os romances laços
de "Laços de Família" e "A paixão segundo GH" foram
determinantes para que a senhora se apaixonasse pelas obras de Clarice?
Teresa: Quando eu tinha mais ou menos quinze
anos, era uma estudante de segundo grau e nem sabia quem era Clarice Lispector.
A minha professora deu um conto em sala de aula chamado “Laços de família”. Eu
fiquei tão perturbada com esse conto que guardei a memória daquela história.
“Laços de família” falava sobre uma mãe e filha com sérios problemas de
relacionamento. Muitos anos depois, quando ingressei na faculdade de letras a
professora de filosofia leu um trecho do livro “A paixão segundo GH” em sala.
Eu já tinha uma referência da Clarice através da cantora Maria Betânia, que
declamava Clarice nos shows. A minha amiga de faculdade me presenteou com o
livro “Perto do coração selvagem” e desde então não parei mais de ler as obras
de Clarice. Assim começou a minha história de leitora.
L: Por que "Água
viva" foi seu romance preferido?
Teresa: “Água viva” é um romance que desconstrói
o que chamamos de romance. A Clarice dizia: “gênero de livro não me pega mais”.
Quando se escreve uma obra, as pessoas sempre esperam que você classifique como
romance, livro de contos ou poesia. Como “Água Viva” era um livro bastante
fragmentado, a própria Clarice teve muito medo de publicar pelos leitores não
entenderem a nova forma que ela propôs como livro, tanto que ela o batizou como
pulsações. Chama-se “Água viva – pulsações”. É um livro pelo qual tenho
realmente fascínio, eu gosto de várias obras, mas essa particularmente pela
maneira como ela conduz a narrativa. É muito nova.
L: Dizem que a literatura
de Clarice não é muito fácil para quem começa a ler. Qual o livro que a senhora
recomendaria?
Teresa: Eu quero desmistificar essa história de
que não é muito fácil. Eu acho que existem textos da Clarice que são mais
densos, mais profundos e que exigem às vezes até certa maturidade para que a
pessoa compreenda o que está sendo dito. Para quem começa a ler as obras
eu sempre sugiro as crônicas de Clarice que estão nos livros “A descoberta do
mundo”, “Aprendendo a viver”, “Felicidade clandestina”, esta última consistida
em um misto de crônicas e contos. Depois aconselho os contos de “Laços de
Família” e nos romances leiam “Perto do coração selvagem”. Se fosse escolher o
primeiro romance, menos denso do que os outros eu colocaria Perto do coração
selvagem. Como a forma dela é muito única, você precisa de uma
aproximação gradativa, mas para alguns textos, não todos. Por isso recomendo as
crônicas.
L: Qual o livro tem a marca mais forte da
Clarice?
Teresa: Eu vou citar “A hora da estrela”, que
foi o último livro que ela escreveu, porque Clarice conseguiu expressar a
questão social brasileira. A personagem Macabéa é uma nordestina que sai de
alagoas, vem para o Rio de Janeiro e cai nessa selva. Trata-se de uma
nordestina que não se adapta e não consegue se inserir na grande cidade.
Neste livro ela também fala da condição do escritor, porque “A hora da estrela”
narra a história de um autor, o Rodrigo SM, que tenta escrever um livro cuja
personagem é a Macabéa. Esta obra é o próprio processo de criação. Então
acredito que ela (Clarice) consegue reunir em uma obra, dois grandes temas que
são: A condição humana, do que é estar no mundo, na vida, as angustias e
as alegrias que você enfrenta, a luta do dia a dia e o próprio
oficio do escritor. O autor tem que ser uma pessoa sensível para captar o que
está no dia a dia das pessoas e transformar isso em palavras. Isso a Clarice
sempre fez com tanta maestria que as pessoas a leem e amam cada vez mais sua a
obra. Ela conseguiu justamente dar voz a nós leitores, tem a sensibilidade de
dizer com palavras o que muitos de nós gostaríamos de dizer, ela tem esse dom.
Ana Cláudia Esquiávo é jornalista e escritora
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