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Resenha: Filhos da Preta

Autor: Mozzambani
Editora: Mozzambani
Ano: 2012 
Páginas: 215


*Obra cedida pelo autor.

    Filhos da preta é um romance do realismo mágico que aborda, entre vários outros temas, o racismo brasileiro, mais especificamente o racismo na cultura caipira. Usando o recurso literário do jogo dos duplos, dos espelhos, coloca os personagens principais, o Branco e o Preto, frente a frente às situações de racismo mais implícitas e explícitas de nossa sociedade. [SKOOB]

Hoje quero compartilhar com você uma resenha que fiz com muito carinho em agradecimento a agradável e emocionante leitura que essa tocante narrativa nos proporciona ao longo das suas páginas. É com meu coração branco e preto que apresento a você Filhos da Preta, de autoria do escritor caipira Luiz Mozzambani Neto.

E quem é essa Preta, se não aquela que fora feita mulher antes de deixar de ser menina? Que teve todas as suas horas do dia preenchidas por afazeres domésticos, sendo liberada deles apenas quando era arrastada pelos cabelos para saciar os desejos sexuais do patrão. Quanto as suas noites, restava-lhe os pesadelos resultantes das dores que sentia pelo seu longo e exaustivo dia. Sonhos? Que menina ou mulher não tem os seus!? Ela os tinha, e eram os melhores, pois eram neles que via os seus anjinhos, cujas vidas foram interrompidas antes mesmo de terem nascidos.

Preta, ainda menina foi levada da Colônia Preta para a Fazenda Santa Isabel pelo próprio tio e entregue ao fazendeiro João Manuel, que fez dela sua escrava doméstica e sexual, onde não querendo filhos com sua esposa francesa Albertine, muito menos queria com uma negra, então depois de pôr algum no ventre dela, não demorava para tirá-lo contra a vontade dela.

E para Preta restavam as dores do aborto forçado, a tristeza de perder os filhos e o consolo de vê-los nos seus sonhos. E via sempre dois: um preto e um branco.

E foi ao descobrir a terceira gestação e com a imutável decisão do patrão que ela decidiu que seu bebê nasceria não importava quantas surras ou o que lhe custasse. E era para custar a sua vida, que lhe seria tirada a balas no cafezal se não fosse sua esperteza ou sua sorte ou Deus, que ela acreditava ter lhe dado uma segunda chance, a qual saberia muito bem aproveitar!

Passou a viver em uma estação abandonada, cujas linhas férreas há muito foram desativadas. Vivera ali, em Tabarana, bairro rural de Ibitirama, rodeada por vizinhos brancos. Para o seu sustento trabalhou na roça feito homem por toda região. Fez uma horta no quintal de sua casa e criou galinhas, preparou o que podia para a chegada dos seus filhos, que a essa altura tinha certeza que eram gêmeos, mas um preto e outro branco. Deus lhe dera uma chance para finalmente tê-los!

Negra, pobre, “buchuda” e sem marido, o preconceito para com ela nunca fora e nem passaria despercebido ou mesmo aconteceria às escondidas, pelo contrário, era declarado e ela tinha consciência disso.

As coisas mudaram com o nascimento do filho: branco, louro de cachinhos e olhos azuis, um verdadeiro anjo que caiu nas graças da mulherada de Ibitirama, que logo o viram como uma benção de Deus, o qual tinham a obrigação de ajudar.

No entanto, preta teve outro, o Preto, que nasceu primeiro, mas dormiu e acordou branco, e que por sorte ou por medo da mãe Preta, esse não foi visto por suas vizinhas. Tabarana nunca conhecera esse filho de Preta, sabiam apenas de Branco e ela ficou esperando um momento certo para apresenta-lo, mas não encontrou e acabou deixando assim.

Assim cresceram os filhos de Preta, Branco e Preto, o primeiro achado anjo do senhor, amado e paparicado por todos, enquanto o segundo, em suas insistentes aparições inesperadas e indesejáveis em Tabarana, foi taxado de saci, cuja moradia era desconhecida e cuja vida sequer parecia existir.

E foi quando Branco, sempre querido e amado, enquanto Preto era odiado sem mesmo ser conhecido, sempre escondido, dividindo apenas o amor da mãe e aquele corpo, que deixara a infância e que permeava a adolescência, que Preta morreu.

Ela morreu para os filhos e para o mundo, para o qual não fez diferença, exceto para Preto, que com a morte dela, sua vontade de viver também se foi, pois para ele só restara a culpa pelo sacrifício dela, culpa essa que Branco também lhe atribuía.

Com o passar dos anos Branco viveu como brancos viviam, enquanto Preto apenas sonhou com a vida de Branco, que ele não podia ter, até que precisou, por insistência do irmão e também por sua vontade, ele precisou viver.

Temos aí a vida de um e de outro, como quaisquer outros seres humanos, mas que por sua cor, tinham vidas muito distintas.

Mas até que ponto podiam viver cada um a sua vida? O destino, a sorte ou o azar, ou quem sabe Deus, como acreditaria a mãe Preta, quis que tivessem de zelar um pelo outro, que precisassem desfazer os nós do passado, conhecerem as pessoas que estavam realmente ao seu lado, que soubessem as suas histórias, como a de sua mãe, para que pudessem ter a vida que lhes pertencia, não como homem branco ou homem preto, mas como gente, como o homem que resultou dessa História!


Espero ter despertado em você o interesse em ler esse livro, e que assim como eu aprecie a riqueza cultural contida em suas páginas!


Por Juliete Vasconcelos,
autora da trilogia O Ceifador de Anjos

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